☄ Mares

"Como era tentado! Sentia o formigar de seus desejos, a ebulição dentro de si! Sim, dentro do peito. Entendia as palavras da sereia. Compreendia o quão seria tolo trair a si mesmo por um beijo. Mas para Álef, as palavras dela contradiziam os seus meios de sedução que agora usava. O par de olhos estagnados, os braços imóveis ainda envoltos naquele corpo. O garoto, pois sim, tentava afastar de si aqueles pensamentos ousados. Quantos resistiriam tão bem quanto ele? Talvez poucos, ou nenhum!

- Entendo... Serei destruído...

E libertou-a de seus braços, aos poucos, sentindo a suavidade da pele da sereia. Álef domesticou-se, expirando fundo e desviando o olhar. Poderia pedir desculpas à ela, se não estivesse envergonhado."

"Sim, já era tarde, eles sabiam. A lua parda devia estar lá em cima. Álef podia imaginar, mas não podia vê-la. Demorou-se a respondê-la, a pensar. Com a expressão solene de um rei, que ele não era. Era um menino astuto.

- Em algum momento irão nos retirar dessa cela... Sob o sol... Nos resta esperar. - E fez uma pausa, ponderando. - E você precisa aprender a andar...

Acomodou as costas no canto entre a parede e as barras da grade. Espiou a lâmpada em um balançar insaciável."

"Sim, Álef viu-a usar sua camisa como uma saia, coisa do tipo. O garoto a via como uma indígena, coisa do tipo, daquela forma. Figura folclórica. Achava certa graça no esforço dela, sim! Apoiou uma mão sobre o chão imundo e levantou. Tomou-a pelo braço, com cuidado.

- Vamos... Um passo de cada vez... Me acompanhe. Segure na grade com a outra mão.

O garoto deu alguns primeiros passos, lentamente. Sem se afastar da grade, para não tirá-la o outro apoio."

"Sob o sol em chamas de metade de uma tarde, reluzia o ouro dos dentes dos sorridentes; a tripulação ensandecida, liderados por um homem esguio de cabelos brancos caindo sobre as grandes orelhas. Um capitão de traços duros, encarando à infinidade oceânica com seriedade, como que aguardando por um inimigo ao horizonte. Mas o que se elevava à frente não era um navio, mas sim uma porção de terra ocupada por uma cidade portuária: Havange.

Talvez se lembrassem dos prisioneiros! Ou talvez, não... Sim, os dois ainda estavam lá. Não, eles não sabiam se era dia ou noite. Só uma maldita lâmpada ameaçando apagar, lhes proporcionava alguma luz. Álef, por motivos que ainda não revelara, espremia insetos e extraía o sangue dos mesmos. Em seguida, espalhava o líquido de cor escura, ao longo do seu tronco à mostra - sim, sua camisa agora servia à sereia -; o sangue ficava impresso pelo o seu corpo na forma de pintas."

"O garoto fora retirado da cela. Esfregou os dedos na calça para limpá-los do sangue de inseto. E sob a luz do sol, pôde sentir-se livre para respirar o ar úmido do mar. Antes que o capitão pudesse dar-lhes as costas, sim, Álef se pôs a falar, ainda que os demais homens o açoitassem com os olhos. Sim, a eles aquilo era desrespeito ao capitão.

- Contudo, o senhor deveria poupar os seus homens de tamanha desgraça, capitão. - E o garoto viu os olhos velhos do homem se estreitarem sobre ele. E sem temer, deu um passo a frente, escutando o som das armas recarregando as balas. A hostilidade pairava sobre a cena, conforme o leve balançar do navio. - A moça, aqui, foi encontrada nas misteriosas ilhas das águas do noroeste. Águas pouco exploradas... Nós conhecemos as lendas, não conhecemos, homens? - E fez uma pausa, lançando-os olhar instigado. - A moça é uma ninfa... Foi capturada pelo velho capitão Abel... Eu acompanhava o velho Abel... Presumo que já o conheça, senhor. Era famoso por ser um capitão teimoso... Alguns da tripulação mantiveram relações com essa ninfa, durante semanas. E se viram amaldiçoados por uma doença contagiosa, que logo se alastrou por boa parte da tripulação. Eles rastejavam de dor... Pediam socorro... Deliravam... Alguns se suicidaram. Era tarde demais... Eles sugeriram que eu levasse a ninfa para algum lugar remoto. Eu levei. E nunca mais os vi... - Então ele apontou às manchas escuras espalhadas pelo seu tronco. - Veja. Não pude hesitar. Não resisti à essa sedutora ninfa. Estou amaldiçoado, também... E receio que seja contagioso...

E os homens se viram aterrorizados por tamanha farsa. O capitão demorou-se a reagir. Paralisado, refletia. E decidira pois assim, largá-los em Havange. No cais. E partiram... Talvez temessem terem ficado na presença do garoto a ponto de retraírem a doença. Talvez tentassem desacreditar..."